Metamorfose
Foi numa daquelas épocas de férias, que a gente passa o mês inteiro na casa da avó e faz uma porção de descobertas...Foi naquele mês que descobri, em meio a cheiro de bolo no forno e fruta colhida no pé, que eu finalmente estava virando “mocinha”.
Descobri que minha avó já não dormia mais na mesma cama com o meu avô.Descobri que aquele cheiro amargo que eu sentia quando sentava no colo dele, era de um talco de enxofre que ele passava após o banho.Descobri que minha avó nunca suportou aquele cheiro, mas mesmo assim, ele continuava usando.
Descobri um casulo grudado na maior árvore do quintal e todas as tardes, quando o sol estava se pondo, eu deitava no chão e perdia a noção do tempo observando aquela metamorfose.
Descobri porque aquela minha tia solteirona, que nunca fez questão de sair da casa dos meus avós, não saia da casa da vizinha, também solteirona.
Descobri que era do coentro aquele gosto estranho que eu sentia quando comia o peixe que vovó fazia.Mas mesmo assim eu continuava comendo, para não deixa-la triste.
Descobri que, todas as noites, quando minha avó pegava o terço e ia deitar, na verdade não passava a noite inteira rezando como eu imaginava.Na primeira “Ave Maria” ela caia no sono.E na manhã seguinte ainda dizia: “Não dormi nada essa noite!”.
Descobri que meu avô, proibido de comer sal por causa da pressão alta, tinha um queijo escondido em seu guarda roupa e ainda tomava uma pinguinha na mercearia do seu João Almeida.
Descobri que minha mãe foi apaixonada pelo careca do supermercado, mas a Rosângela, sua melhor amiga, acabou se casando com ele.
Descobri que era uma delícia tomar uns bons goles de vinho tinto e sentir aquele calor gostoso pelo corpo.
Descobri que, com todos os defeitos e qualidades, eu amava meus avós mais do que nunca.
E naquela tarde, quando finalmente a borboleta saiu do casulo, descobri que minha calcinha estava suja de sangue.
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