Como diz a música de Chico Buarque: “Todo dia ela faz tudo sempre igual, me sacode às seis horas da manhã...”. Assim acontecia com Francisco, que era sacudido às seis horas da manhã, exatamente na hora que, numa sincronia perfeita, tocava o despertador e ele se perguntava: “Por que ela me sacode se sabe que tem o despertador?” Mas ele ainda assim levantava calmo e arriscava um “Bom dia, amor!”. E diferente do que diz na mesma música, do mesmo compositor: “Me sorri um sorriso pontual e me beija com a boca de hortelã...” Não tinha sorriso, muito menos beijo de hortelã; era uma cara enfezada, um cabelo desgrenhado, o cheiro de café vindo da cozinha e ela falando: - Anda Francisco! Homem lerdo... Vai se atrasar, criatura! Francisco e Janilda moravam numa casa boa, casa própria, que ele conseguiu financiar e se orgulhava muito disso. Sonhava em ter filhos, mas Janilda não quis, não gostava de crianças, então Francisco se contentou com o Maroto, um cachorrinho. Ele nunca permitiu que seu amor trabalhasse, deu a ela uma vida de princesa, apesar do adjetivo não condizer muito com o seu comportamento. Quando Francisco se apaixonou por Janilda, todo mundo se revoltou. Dos familiares aos amigos de trabalho, todos tentaram abrir seus olhos, que não só estavam fechados, como pareciam estar costurados. Na fase de namoro, ele a apresentava a todos como “meu docinho”, mas ela não desamarrava a cara, cumprimentava as pessoas com um aperto de mão, esboçava um leve sorriso e não dava uma palavra. Para tudo que ele dizia e pedia sua opinião, ela respondia levantando os ombros como quem diz: “Por mim, tanto faz...”. Era difícil, mas Francisco estava amando, tanto que casou com seu docinho e viveram vários anos juntos. Francisco mudou muito nesse tempo, esqueceu de seus discos do Chico, seus livros, seus amigos, porque Janilda não gostava. Parou de usar seu perfume predileto porque Janilda tinha alergia, parou de tocar violão porque Janilda tinha enxaqueca. Francisco se acomodou, estava bem. Vivendo com a pessoa que amava, tinha sua casa, seu carro, seu cachorro, lidava bem com o “gênio forte” da esposa e não precisava de mais nada. Às vezes, perdia o sono durante a madrugada e ficava observando Janilda dormir. Ela não era uma mulher bonita: baixinha, entroncadinha, cabelo sempre preso... Uma mulher “compacta”, armarinho embutido. Francisco suspirava, olhava e pensava: “Como amo essa mulher...”. E sentia um aperto no coração, algo que incomodava, mas que para ele era a dor de tanto amar. Ninguém entendia, mas Francisco matava e morria por ela. E como diz outra música, também de Chico: “Como fui levando, não sei lhe explicar. Fui assim levando ele a me levar”, Janilda fazia o que queria de Francisco, e assim iam levando a vida; ela imperando e ele sob o efeito do feitiço, um torpor, que ele chamava de amor. Só que naquela madrugada, antes do despertador tocar, Francisco perdeu o sono, sentou na beira da cama e começou seu ritual, de observar Janilda. Mas seus pensamentos começaram a desviar e no lugar de “Ah, como amo essa mulher!”, ele pensava: “Nossa, como Berenice é doce, simpática... Que secretária eficiente... E é tão bonita!” e “Credo, como Janilda ronca,deve ser por isso que acordo toda madrugada...”. E naquela manhã, depois de tomar seu café, dentro do carro, a caminho do trabalho, sentiu como se uma bigorna tivesse caído sobre sua cabeça. Só deu tempo de pensar: “Eu não amo mais Janilda!”, sentiu novamente o aperto no coração e acordou no hospital. A sua direita estava Janilda, brava, e foi logo dizendo: - Ta vendo, teve um infarto! Bem que eu dizia pra você não fumar... Agora só vai dar trabalho! A sua esquerda estava Berenice, sua secretária, segurando sua mão e sorrindo: - Está tudo bem, seu Francisco, o pior já passou. Estarei aqui para o que for preciso. Janilda virou as costas e saiu dizendo: - É bom mesmo que tenha alguém pra o que for preciso, porque estou indo pra casa, odeio hospital! Francisco ficou uma semana no hospital, na companhia de Berenice. Às vezes uma enfermeira avisava que Janilda havia telefonado para saber quando ele teria alta, mas para Francisco isso já nem fazia mais diferença. No dia de sua alta, voltou para casa... E mais uma vez, um pedaço de outra música de Chico Buarque: “Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar. Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar”. E esse jeito mais quente não foi de paixão, mas de revanche. Pegou seus livros, seus discos, seu cachorro e antes de sair, encheu-se do seu perfume predileto e ficou olhando para Janilda. A única coisa que ela disse foi: - Você sabe que tenho alergia... E Francisco, com o peito estufado, respondeu com um sorriso irônico: - Berenice adora! E lá se foi Francisco, deixou Janilda, casa, trabalho e foi morar no campo com Berenice. Abriram uma pousada, tiveram três filhos e Francisco começou a sentir o amor jorrar do seu coração. Descobriu que amar não dói. |
29 de mar. de 2010
27 de mar. de 2010
Nasci com ela cravada no peito e a chamei de "vazio".
Por várias vidas busquei, nas mais diversas formas...
Encontrei as mais sábias palavras, os mais doces sorrisos, os mais belos lugares, a melodia perfeita,mas ainda assim a sentia, corroendo-me as entranhas.
Procurei também no lado escuro, nas fendas, nas pontas que machucam, nos gritos estridentes, nas palavras que entristecem, nas visões dilacerantes...difícil.
Lutei com o vazio, por momentos fui iludida e me iludi, jurei ter encontrado a cura, mas a distância voltava e marcava presença. Faltava um pedaço de mim.
Ah, pedaço de mim! Que meu suspiro é por ti, mas é pela metade...
Que meu coração bate, mas bate pesado...
E o meu olhar vai com você, porque te olho por onde quer que vá.
Quem me dera! Mais uma vez e todo dia, ler nos teus olhos essa cor poesia.
Quem me dera,a todo instante,respirar tua essência e não obstante...
Se eu pudesse,todo dia,quem me dera!
Poros,fios de cabelo,célula.
Ah,se eu pudesse,todo dia...
Quem me dera!
Eis Uma Estrela. Brilha!
Brilha pequena, que o brilho revela tua existência.
O que enxerga nessa escuridão? Não és cadente, porque está aí e vejo.É alma pura, estrela verdadeira...
Então brilha, ri-se da vida, que o som de seu sorriso é música.
Brilha entre o que machuca e o que cega, brilha na dor e no amor diferente.
Eis a vida. Brilha!
26 de mar. de 2010
Sabe-se que entre brumas e sonhos,existem as mensagens soltas,vagando por entrelinhas...
Entre laços,nós e amarras,sabe-se que existe a bruma e os sonhos.Que assim seja.
Que sonhe nas entrelinhas,que vague por entre a bruma,que solte as amarras e desate os nós.
E que assim seja.
Uma legião de pessoas se desdobrava com os preparativos.Os celulares não paravam de tocar, atrapalhando a afinação dos instrumentos da orquestra que embalaria a noite dos convidados.
O Jardim da casa já estava devidamente enfeitado:flores,laços e muito brilho.
Na cozinha, a mistura de aromas, as panelas fumegando, os cristais e os talheres de prata...Os guardanapos de puro algodão...
Seguranças de dois metros de altura por um de largura impediam que a imprensa tivesse acesso ao interior da casa, mas os flashes no portão não paravam de pipocar.
Em seus carros importados, chegavam os primeiros convidados.
Alheia a movimentação dos cabeleireiros, que tentavam imortalizar seus cachos, a aniversariante, com um semblante não muito amigável, vez ou outra suspirava profundamente e chorava baixinho.
A festa foi um sucesso e na capa da revista rendeu um destaque:
“Faz aniversário a Poodle da Socialite!”.