23 de set. de 2012

 
                                                                                    Maçã

As águas de Março inundaram a mim, meu corpo, minha casa.
Foi tudo: sala, quarto, cozinha, alma, coração.
Quando já alcançava meu pescoço e tudo boiava e eu tentava salvar objetos e sentimentos, vi duas maçãs e consegui alcançar. As únicas frutas que eu tinha em casa. Coloquei as maçãs no ponto mais alto de mim e salvei.
As maçãs, pelo que aprendi, são frutas resistentes, dessas que os duendes fazem durar meses. Frutas adstringentes. Frutas do pecado, conforme a bíblia dos homens.
Submersa, corpo anestesiado, cuidei das maçãs.
Tudo desmanchava: roupas, compromissos, fotografias, livros, critérios...
Exausta, com frio, num misto de vigília e desmaio, os olhos embotados de lágrimas: recobrava os sentidos.
Foi-se o tempo, mesmo nível de água, até mais! Eu: meio sereia, meio alga e faminta. Não.
" Aquele casaco que eu adoro, quero alcançar, não quero, deixa... O outro casaco! Afundou..."
Pra quê casacos, critérios, se eu tinha as maçãs? Não tinha nem a mim, pra quê o resto?
Sucumbi quando completei mais um ciclo.
Mordi uma maçã e o todo se refez! Voltei, inteira e submersa. Olhos marejados de enchente e sorriso nos lábios. Fui me perdendendo e morrendo de felicidade, buscando ar no fundo da água, viva.
A outra maçã, segurei firme pra te dar e me entreguei, até boiar, até...

Agosto/2012